Por Carlos Moreira
O único lugar que
eu conheço em que o blefe é bem vindo é no jogo de pôquer. No mais, na
vida cotidiana, blefar é plantar hoje a desgraça que será colhida
amanhã. Creia-me: não há coisa pior do que transformar a existência em
disfarce, exibição performática, teatro do real, representação cênica
constituída de caras e bocas, risos e falas, dramas encenados, mas que,
ao final do ato, não podem ser esquecidos, apagados...
Tristemente,
todavia, esta tem sido a vida de muitos pastores e pregadores do
Evangelho. Uma vida de disfarce, baseada no blefe, um “jogo de cartas”
onde o “jogador” sempre perde. Digo isto porque tenho, com certa
freqüência, escutado as dores de muitos dos meus colegas... Eles se
tornaram vítimas da “engrenagem” da “igreja”, foram engolidos pela
“máquina” que a tudo devora, tornaram-se fim, e não meio, imaginaram
ser, parafraseando Gilberto Gil, “o super-homem que viria nos restituir a “glória”, mudando como Deus o curso da história...”. Mas, felizmente, eles não são...
O que percebo, todavia, é justamente que esqueceram que Jesus, sendo Deus, quis ser homem e, sendo homem, agiu e sentiu como homem: teve sede, fome, medo, dor, tristeza, depressão, angústia. Ele chorou, sorriu, se emocionou, viveu todos os matizes que os humanos caídos vivem; só uma coisa não fez: nunca pecou.
O que percebo, todavia, é justamente que esqueceram que Jesus, sendo Deus, quis ser homem e, sendo homem, agiu e sentiu como homem: teve sede, fome, medo, dor, tristeza, depressão, angústia. Ele chorou, sorriu, se emocionou, viveu todos os matizes que os humanos caídos vivem; só uma coisa não fez: nunca pecou.
Preocupa-me o
estado em que as coisas chegaram. Pastor dissimulando, vivendo crises de
toda a sorte e tendo de sorrir para a “platéia” que pede “bis!”. Pastor
achando que é de aço, e não de osso, imaginando, equivocadamente, que
tem sempre que ter a palavra correta, a mensagem perfeita, o tratamento
irretocável. A família do pastor não pode ter crise – imagina? –. Sua
mulher tem de ser o baluarte da santidade, da paciência, dos bons
costumes e do amor sacrificial! Os filhos do pastor, na verdade,
precisam ser anjos em miniatura, os quais, temporariamente, estão
impossibilitados de voar por ainda não terem asas.
A verdade é que
pastor, no meio “evangélico” tornou-se fetiche! E aqui uso a palavra do
ponto de vista de sua concepção filosófica, baseado nos pressupostos de
Comte. Nesta perspectiva, o homem de Deus é concebido como “entidade
supranatural”, na qual se busca conceitos e respostas absolutos. Ora,
isso atribuído a Deus está bem posto, mas, a questão é que a “igreja”
desviou o foco do eterno para o temporal, e transferiu aquilo que é
apenas ligado ao transcendente para o imanente, cujas características
são antropomórficas.
“Sabes, entretanto, o que sois?”
– diria Chaplin – homem de carne e sangue, ainda que imagines poder
seguir a rotina da máquina composta de fios e ferro! Quem te disse,
pastor, que você não pode entristecer-se, ou deprimir-se, que não pode
chorar, sentir desânimo, nem incorrer em equívocos? Quem te sentenciou a
existencializar o casamento perfeito, a não ter filhos problemáticos,
ou a nunca experimentar um revés financeiro? Quem, diga-me, ousou supor
que tu não sofres de crise de fé, não tens medo, ou que todo domingo
estais atormentado tamanha é a tua vontade de celebrar 2, 3 cultos? Quem
te disse, “pequeno ser de barro”, que és quase perfeito, que vives no
vácuo abissal entre o homem caído e o Deus santo como se fosses um
híbrido?!
Deixo-te, então,
para teu consolo – quem sabe? – a poesia de Djavan. Não, não é um dos
Heróis da Fé de Hebreus 11, nem teólogo de sucesso, nem mesmo
evangelista de multidões, mas apenas alguém que, com sensibilidade para
discernir as ambigüidades do ser, suas idiossincrasias, conseguiu
extrair lições por causa de todos os dilemas pelos quais a vida lhe fez
passar...
“Só eu sei, as esquinas por que passei...”.
Pastor, tu és homem, tu és pó, tu és falho, e só tu sabes as profundas
contradições que co-existem em ti. Acorda homem! Deixa este trono
fictício no qual tu, equivocadamente, te assentastes, e vem novamente
habitar entre os mortais. Lembra-te de Oscar Wilde “onde há sofrimento há terreno sagrado”.
“Só eu sei, os desertos que atravessei...”
Pastor, tu és beduíno, és hebreu errante, homem de tendas! Não te
deixes aprisionar pela fixidez da vida, pelos “confortos” da
contemporaneidade, não plante nada que crie raízes profundas, pois deves
sempre estar preparado para levantar teu “acampamento” e partir, ao
sabor do vento, para onde quer que fores enviado... Sim, quando as
“fontes” secarem, deves ir em busca de outros mananciais... Não esqueças
o que nos ensina Thiago Paes Piva: “no deserto da vida, eu me sinto afogado em uma miragem”.
“Sabe lá, o que é morrer de sede em frente ao mar...”.
Não te iludas, pastor, tu és carne! Teus desejos são naturais, tuas
necessidades são reais, tuas vontades são legítimas. Nem tudo te será
possível, mas não é pecado desejar, apenas materializar aquilo que faz
mal ao ser. Fazes o que puderes, “anda pelos caminhos que satisfazem teu coração...”. Assim, aconselho-te o que nos ensinou Freud: “é escusado sonhar que se bebe; quando a sede aperta, é preciso acordar para beber”.
“Sabe lá, o que é não ter e ter que ter pra dar...”.
Atenta, homem, que este é teu maior desafio... Ninguém pode dar o que
não tem! Admites, então, que tu te esvazias, que tua alma seca quando
exposta ao “calor” da vida, que teu coração pedra pela experimentação
das dores que brotam do simples fato de existir. Por isso, torna-te
gente! Abandona esta enfadonha rotina de ser apenas existente... E
lembra-te de Publílio Siro, escrito latino da Roma antiga, “a necessidade não obedece à lei; ela faz a lei”.
No mais, segue a
“cartilha” na qual fostes ensinado: ama a Deus, obedece às Escrituras e
serve ao teu semelhante. Vista-se com vestes de louvor e unjas a tua
cabeça com óleo! Jamais te falte o “vinho da alegria”, a gratidão e o
contentamento, a paz celebrada como oração. Sejas, então, homem, como os
demais! Desistas de ser Deus! Isto, para ti, seria penoso e infrutífero
trabalho...
Carlos Moreira é co-Editor do Genizah
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